quarta-feira, 30 de setembro de 2009

uma cabeça, um coração, outras partes

nada de muito grandioso. aquela rotininha rotineira. às vezes um grande saco, em outras, algumas cores. a melhor hora tem sido a viagem de ônibus - quando vou sentada, claro - que é quando eu posso colocar música no ouvido e viajar em pensamentos, sonhos, devaneios. espacinho do dia onde me encontro em meio a um tanto em que me perco. como diria clarice: quero uma verdade inventada.
nada muito grandioso, como já disse. sempre gostei das coisas pequenas. até mesmo das coisas rotineiras - contas, pratos, shampoos - se nelas vejo uma brecha pra qualquer criaçãozinha que seja. gosto de mim para mim - não sei se é gósto, não sei se é gôsto. voltando, talvez a ilusão da não-repetição. calligaris diz: os seres humanos são mestres na repetição.
bom, fato é que pequenas coisas me apetecem, como bem falou o f. pessoa: na vida aquece ser pequeno. hoje tô cheia dos disses e dirias. a gente é mesmo um monte de gente.
e bem sei que o coração quando precisa de um tempo, dá tempo pra gente investir em otras cosas. tô falando a gente, não levem a mal. coisas que realizo com cuidadosa atenção. cosas pequenas, grandes ou médias. e também coisas sem tamanho. sonhar acordada é uma coisa sem tamanho, assim como sorrir para o espelho - ou chorar. e embora a gente viva declarando que não temos tempo, caio me tem feito perceber que: o tempo que temos, se estamos atentos, será sempre exato.
amanhã tem mais um dia. e depois tem outro. e outro.

percebi agora que falei mais das cores. algumas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

destinatários

Quantas vezes escutei, forçadamente, suas lamentações ao telefone, até minha orelha não mais agüentar, eu querendo dormir, eu querendo viver, eu querendo morrer e você ali, dando sempre um jeito de me prender. Marina Lima aquecendo meus ouvidos depois, pra que eu não esquecesse dos laços, dos nós, das mandingas: O que é que há com nós dois amor? Me responda, depois. Me diz por onde você me prende, por onde foge e o que pretende de mim.

Quantas vezes fiquei me perguntando se era isso mesmo, eu e você, primeiros namorados, até quando? Parecia que faltava algo, clichê que fosse: experiências, pessoas, liberdades. Eu fui, voltei, você ficou. Quando voltei parece que nos perdemos, digo isso sem muito acreditar. Acho que escolhemos nos perder. Pela idade.

Como doeu a porra da primeira vez, quantas tentativas rolaram, lembro-me tanto do “graças a deus” que entoei agudamente assim que o sangue desceu, tinha enfim perdido aquele lacre dos infernos. Você foi compreensivo, querido, como sempre, o tesão era ótimo.

Eu não entendia muito a tua família, eram meio ets, meio zumbis, você não se aproximava, eles não se aproximavam, contatos forçados, não havia muita naturalidade, eu dormia muito na tua casa, mas tua casa era teu quarto. Teu quarto era eu e tu e a solidão que não se nomeia.

Como eu adorava sentar no teu colo, dispensava todas as cadeiras do mundo, desde que você me deixasse sentar em você. Dormir agarrada contigo então, nem se fala. Contigo eu aprendi a gostar de aperto demais, e eles deixavam vestígios na pele, não me importava se no dia seguinte me perguntavam das marcas, no fundo eu pensava: do que adiantaria viver sem deixar rastros?

Tu era um homem de verdade. Tu me fazia mulher. Tu me elogiava na frente dos outros, me levava pra passear no teu carro, colocava no rádio uma música e cantava, me fazendo entender que era pra mim. Mas tu era muito sentimental desnecessariamente. Fazia um bicho por uma merda que eu dissesse. Tu era inseguro e pintava de leonino.

Contigo conheci o mundo dos motéis. Brincávamos que iríamos fazer um Manual dos Motéis, com dicas e apreciações pessoais por cada canto que tínhamos passado.

Não lembro de tu ter brochado comigo alguma vez.

Lembro das primeiras vezes que trepamos, desajeitados, pareciam que tinham tocado salsa e estávamos dançando afoxé. Ríamos, sem jeito, sem graça, sem vergonha. Com a prática viria o ritmo, como aconteceu. Aprendi contigo que intimidade nos leva a um paraíso sexual. Abrir as pernas só melhora.

Não esqueço do primeiro perrengue que passei, achando que podia estar grávida de tu. Só te contei depois. Homem nessas horas só atrapalham. Tu tinha muita vontade de ter uma filha parecida comigo. Tu acreditava nisso, eu acreditava nisso, desacreditar pra que?

Escrevi tantas cartas, bilhetes, te entreguei fotos e o meu amor nelas. Nunca posso me arrepender de ter me envolvido contigo, embora tu fosse um tanto preguiçoso e relaxado. De repente se tornasse pouco para mim, eras menino, eras aquela coisa de sempre, aqueles amigos, aquelas conversas. Não estavas errado. Eu que estava querendo remexer-me.

Fiquei na merda por causa de tu, varei noites e dias procurando sinais, e nada. Me escanteasse, me deixasse no limbo, sufocada, incompreendida, apaixonada. Sem nunca ter me dado um fora, sem ter me dado um não.

Fizesse eu saber que tu ainda gostava da outra, que ela te procurava incessantemente e que tu sofria por ela.

Nunca fui num motel contigo, a gente sarrava tanto na rua, na praia, no escuro.

Brochasse umas duas ou três vezes, acho.

Me apaixonei e desapaixonei mais do que isso. Cantamos tanto Caetano.

Ademais, chorei tanto, fiquei muda, bebi todas, fui compreensiva, te dei um abraço, te entendo, te odeio, te quero, te esqueci, me mudei, apaguei teu número, teu rosto, teu pinto, teu cheiro, não apaguei foi nada, amei, amei e amei, gozei tanto, nos dias de chuva nem se fala, dancei axé, forró, pagode, sambei horrores, não conseguia chorar, assisti filme, dormi a tarde inteira, tive insônia, escrevi.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

caio,

agosto acabou e eu sobrevivi. estava certa de que setembro viria: é importante ter uma certezinha que seja (uma fé em qualquer coisa, não importa o quê, não é?) pra poder ir suportando as incertezas todas. sobrevivi aos trinta e um dias agostianos e poderia até dizer que de forma mais serena que outrora: sem usar palavras como “sempre” e “nunca” e sem arquitetar fugas de casa, da cidade, do país ou de mim. umas férias, quiçá, quem sabe. porque a gente cansa – e agosto é tão penosamente longo. mas não deixarei, caio, que agosto invada setembro. agosto já teve seu tempo, já deu seu recado, já deixou sua marca, (já enlouqueceu um cachorro) e já passou. sim, porque até a uva passa. a passagem para o outro instante é sempre iminente, clarice não me deixa esquecer.agosto se esgotou, caio. e cecília promete que a primavera chegará, mesmo que não se tenha jardim para recebê-la. agosto agora só ano que vem.