terça-feira, 14 de julho de 2009

dobrado no fundo da gaveta (ou: as voltas que o mundo dá)

(texto de três anos de idade, escrito na época em que meu coração era de um baiano.
andei relendo e andei sentindo: o baiano em questão está indo de mala e cuia para além-mar.
saudades vão ficar.)


Completei, em março, um ano de namoro, mas só me dei conta de quanto tempo é isso agora, com esse tempo chuvoso que caracteriza o inverno de Recife. Sentindo o cheiro de terra molhada enquanto andava pela rua, a memória olfativa, mais forte que qualquer outra, me remeteu à exatamente um ano atrás, quando eu vivia o delicioso prazer de um começo de namoro. Era sentindo esse cheiro que a gente experimentava andar de mãos dadas e ria da alegria simples de estar com o outro. Era sujando de lama as barras da calça que a gente se dedicava a se conquistar, a e nossa relação tinha a leveza da chuva. Conhecer alguém é tão cheio das vantagens! Não há antecedentes, tudo na sua vida é uma história a contar para o outro; não há o peso de desentendimentos, brigas, ressentimento e dos maus hábitos que a gente cria em decorrência disso. Não foram tomados rumos. Não, só aquele delicioso prazer. De descobrir como o outro dá gargalhadas; ou flagrar um certo rubor no rosto; descobrir que estiveram num mesmo show, ou que adoraram um mesmo filme; descobrir um conhecido em comum.

Lembro de termos gazeado várias aulas na faculdade por conta da chuva. Eu passava a manhã na casa dele, e a gente fumava cigarros enquanto conversava sobre tudo nesse mundo, porque tudo era novidade, inclusive e principalmente a presença do outro. E quando a chuva caía eu sentia cheiro de terra molhada, e a brisa fria que hoje senti de novo. A chuva está definitivamente me fazendo resgatar algumas sensações que se perderam ao longo desse último ano. E já não me reconheço em muitas delas. Eu tinha asas na cabeça e me orgulhava da tranquilidade dos meus pensamentos. A liberdade era o não me preocupar. Eu sinto falta disso, mas só posso culpar a mim mesma das mudanças que meus pensamentos sofreram. Para sentir a paixão e o amor que eu estava me propondo a sentir, precisei me aprisionar em pensamentos que se tornaram recorrentes e aos poucos eu me tornei, com eles, outra. Por exemplo, internalizei o medo de perdê-lo e tornei isso tão meu que já não consigo não me preocupar se ele fala comigo de forma mais fria ou se está irritado e eu percebo que não consigo mais aliviar as chateações dele como antes ("Perto de você os problemas todos parecem ficar menos sérios", me disse certa vez). A dependência emocional que hoje sinto me angustia. Até porque isso não parece atingi-lo. Ele se mostra sempre tão seguro e auto-suficiente. Às vezes penso que se eu chegasse pra ele e dissesse que quero acabar o namoro ele me responderia "tudo bem". E lembro das vezes que me vi insistindo para que continuássemos juntos, como se precisasse convencê-lo. Numa dessas vezes ele me disse "eu andei pensando que a gente não tem mais aonde chegar". E essa frase simplesmente não pára de ferir. Tudo era tão promissor e belo naquela época de chuva. Eu me recuso a acreditar que isso tenha se esgotado, que o que a gente tinha pra viver já tenha sido vivido. Eu realmente odeio lembrar que ele disse isso. Acho que odeio porque às vezes considero a possibilidade de ele ter razão.