(texto de três anos de idade, escrito na época em que meu coração era de um baiano.
andei relendo e andei sentindo: o baiano em questão está indo de mala e cuia para além-mar.
saudades vão ficar.)
Completei, em março, um ano de namoro, mas só me dei conta de quanto tempo é isso agora, com esse tempo chuvoso que caracteriza o inverno de Recife. Sentindo o cheiro de terra molhada enquanto andava pela rua, a memória olfativa, mais forte que qualquer outra, me remeteu à exatamente um ano atrás, quando eu vivia o delicioso prazer de um começo de namoro. Era sentindo esse cheiro que a gente experimentava andar de mãos dadas e ria da alegria simples de estar com o outro. Era sujando de lama as barras da calça que a gente se dedicava a se conquistar, a e nossa relação tinha a leveza da chuva. Conhecer alguém é tão cheio das vantagens! Não há antecedentes, tudo na sua vida é uma história a contar para o outro; não há o peso de desentendimentos, brigas, ressentimento e dos maus hábitos que a gente cria em decorrência disso. Não foram tomados rumos. Não, só aquele delicioso prazer. De descobrir como o outro dá gargalhadas; ou flagrar um certo rubor no rosto; descobrir que estiveram num mesmo show, ou que adoraram um mesmo filme; descobrir um conhecido em comum.
Lembro de termos gazeado várias aulas na faculdade por conta da chuva. Eu passava a manhã na casa dele, e a gente fumava cigarros enquanto conversava sobre tudo nesse mundo, porque tudo era novidade, inclusive e principalmente a presença do outro. E quando a chuva caía eu sentia cheiro de terra molhada, e a brisa fria que hoje senti de novo. A chuva está definitivamente me fazendo resgatar algumas sensações que se perderam ao longo desse último ano. E já não me reconheço em muitas delas. Eu tinha asas na cabeça e me orgulhava da tranquilidade dos meus pensamentos. A liberdade era o não me preocupar. Eu sinto falta disso, mas só posso culpar a mim mesma das mudanças que meus pensamentos sofreram. Para sentir a paixão e o amor que eu estava me propondo a sentir, precisei me aprisionar em pensamentos que se tornaram recorrentes e aos poucos eu me tornei, com eles, outra. Por exemplo, internalizei o medo de perdê-lo e tornei isso tão meu que já não consigo não me preocupar se ele fala comigo de forma mais fria ou se está irritado e eu percebo que não consigo mais aliviar as chateações dele como antes ("Perto de você os problemas todos parecem ficar menos sérios", me disse certa vez). A dependência emocional que hoje sinto me angustia. Até porque isso não parece atingi-lo. Ele se mostra sempre tão seguro e auto-suficiente. Às vezes penso que se eu chegasse pra ele e dissesse que quero acabar o namoro ele me responderia "tudo bem". E lembro das vezes que me vi insistindo para que continuássemos juntos, como se precisasse convencê-lo. Numa dessas vezes ele me disse "eu andei pensando que a gente não tem mais aonde chegar". E essa frase simplesmente não pára de ferir. Tudo era tão promissor e belo naquela época de chuva. Eu me recuso a acreditar que isso tenha se esgotado, que o que a gente tinha pra viver já tenha sido vivido. Eu realmente odeio lembrar que ele disse isso. Acho que odeio porque às vezes considero a possibilidade de ele ter razão.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
A possibilidade do insegro é foda, em todos os sentidos, bom bom ao mau. Teus textos sempre me lembram músicas...mesmo que se muito a ver, mas elas sempre tocam na minha cabeça...tipo uma de Raul...e vale ela toda:
ResponderExcluirMedo da Chuva
Raul Seixas
É pena que você pense
Que eu sou seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir
Como as pedras imóveis na praia
Eu fico ao teu lado
Sem saber dos amores que a vida me trouxe
E eu não pude viver
Eu não posso entender tanta gente
Aceitando a mentira
De que os sonhos desfazem aquilo
Que o padre falou
Porque quando eu jurei meu amor
Eu traí a mim mesmo
Hoje eu sei que ninguém nesse mundo
É feliz tendo amado uma vez
Uma vez eu perdi o meu medo
O meu medo, o meu medo
O meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar
Aprendi o segredo, o segredo
O segredo da vida
Vendo as pedras que choram sozinhas
No mesmo lugar
ele tá indo pra frança, baby?
ResponderExcluirnão tive como não lembrar do "por não estarem distraídos" de clarice, texto que já li/reli sem fim. e que faz a gente se perguntar se essas coisas são realmente inevitáveis.
querida, saudades.
a vida da gente muda tanto, né? no fundo essas vivências são tudo que temos.
um beijo de tempo chuvoso pra tu :*
Na verdade tava bem no comecinho da história...mas sim, depois ainda rolou muita coisa boa, graças ao chocolate, ou não... ;)
ResponderExcluir"Não deixe o blog morrer, não deixo o blog acabar"...peghando emprestadas algumas palavras...
ResponderExcluirhahaha
ResponderExcluiro blog foi feito de samba, de samba pra gente sambar :)